greguería (4)
o alfabeto é um esqueleto com 26 ossos.
um blogue minimal de josé mário silva: às vezes lírico, às vezes irónico, às vezes qualquer coisa de intermédio [e-mail: let_min@yahoo.com]
«quando vires o inimigo olhos nos olhos, não te esqueças: primeiro dispara e depois dispara.»
aos 17 anos, ficou imóvel.
quando teseu deu de caras com o minotauro, ali para os lados da golegã, espetou-lhe um par de bandarilhas.
confessava-se ao padre, aos amigos do messenger e ao empregado da cervejaria, não necessariamente por esta ordem.
ao acordar, b. teve um pressentimento: «hoje vou morrer». só depois, muito depois, lhe explicaram que nem sequer tinha acordado.
às voltas no centro comercial, jesus interroga-se sobre o que há-de oferecer ao pai este ano.
o mestre olhou em volta e viu os discípulos de caneta em punho (os moleskines abertos numa página em branco). espalhados pela relva, perto uns dos outros, os corpos daqueles homens tão crédulos desenhavam um ideograma obsceno.
no mundo há dois tipos de pessoas: as que recorrem a frases que começam por "no mundo há dois tipos de pessoas" e as que não recorrem a frases que começam por "no mundo há dois tipos de pessoas".
o letra minúscula tinha uma ordem secreta, um conjunto de regras precisas (mesmo se invisíveis) para a distribuição diária dos brevíssimos textos e das oblíquas imagens.
depois do longo inverno, com a temperatura a subir e a primavera já aí, este blogue renasce.
não precisamos de mais bloggers a escrever sobre o umbigo. precisamos é de mais bloggers a escrever sobre o ambíguo.
tem um problema de pigmentação no rosto e gosta de s&m. os amigos chamam-lhe dom chicote de la mancha.
num país em que se cumprimenta tanto e se decide tão pouco, talvez fosse bom trocar o «bem haja» pelo «bem aja».
todos os napoleões conhecem, mais cedo ou mais tarde, o seu waterloo.
sempre que olhava para a fernanda da contabilidade, vinha-lhe à ideia a vénus de botticelli.
no topo da árvore de natal (feita em plástico verde de péssima qualidade), uma estrela vermelha de cinco pontas.
na vitrina estava escrito, a tinta branca imitando a neve: «más festas», «infeliz natal» e «mísero ano novo».
os estudiosos de fernando pessoa descobriram ontem mais trinta folhas inéditas no espólio do escritor: onze de plátano, sete de eucalipto, cinco de nespereira, quatro de choupo e três de cipreste.
signed in as: fernando_pessoa
deprimido com a crise económica e com a baixa auto-estima nacional, o zé povinho já nem sequer tem forças para fazer um manguito.
esta tarde
«sem as palavras não existiria nada; só elas dão sentido completo à essência das coisas.»
«ó meu amor, se nos meus braços tremes tanto
«abandonadas pelos seus amantes, duas mulheres almoçam sandes, num banco de jardim público. a solidão era tão forte que pensam viver juntas. a que primeiro oferecera a sua casa, ao preparar-se para dormir, sentiu a outra tão atraente que desejou fazê-la adormecer no lado do leito que, habitualmente, ocupava, tomando para si o lado do homem que amava. e ao perceber que olhava para a sua amiga como ele a teria olhado, sofreu com os ciúmes.»
não pensar demasiado.
os seus hieróglifos: as marcas dos pneus, deixadas na terra húmida pelos assassinos.
quando os furacões atingiam o grau cinco, baptizava-os com os nomes das suas ex-mulheres.
gloriosa sabedoria: entender que o tamanho do mundo se mede pelo tamanho das suas sombras.
«uma casa; 58 câmaras; três livros de filosofia ocidental (kierkegaard, wittgenstein e derrida); 12 professores universitários assistentes. só um deles conseguirá terminar a tese de doutoramento. saiba qual em exegese, o novo reality show da tvi.»
comprou um livro de auto-ajuda mas, ao fim de poucas páginas, sentiu-se defraudado: ali não havia diagramas de motores nem dicas para resolver problemas de mecânica.